terça-feira, 8 de dezembro de 2009

A ponte entre a arte e nós.


Como é bom se maravilhar com um filme, com cada frame gravado na memória, tentando nos dizer tantas coisas, olhando bem fundo nos seus olhos! Isso é "Le Pont des Arts", filme tão certeiro, tão devastador, que dá conta desse poder radiante da arte de mudar as pessoas, como pouquíssimos filmes conseguiram ao longo de todos esses anos de vida do cinema. Eugène Green é cineasta pouco conhecido fora da França, mas que já galgou grande reconhecimento da crítica com seus 6 filmes.

"Le Pont des Arts" é uma resposta a esse papel da crítica (principalmente na França onde os críticos são extremamente exigentes e esnobes), e uma declaração tão sincera e comovente à arte e ao artista, como criador de algo que transcende o tempo ou qualquer convenção meramente social, para se eternizar nos sentidos de quem se vê refletido e se reconhece, seja em uma música, seja em uma poema, um filme ou uma tela. A arte para Green é a fonte da vida que mantém os artistas sempre vivos na mente das pessoas... inesquecível, inesgotável...

E é sublime a sinceridade e a cumplicidade que o filme exige do espectador. Os personagens olhando no fundo de nossos olhos, nos revelando suas fraquezas, suas dúvidas, seus anseios, criando uma relação de simbiose tão complexa e devastadora com o espectador que é impossível não se ver refletido ali na tela.

Preciso agora esgotar a filmografia de Eugène Green, artista tão fascinante, que agora se fez eterno, ao menos em mim!

* * * * *

P.S. Natacha Régnier numa das melhores atuações que eu vi nesse últimos anos, e Olivier Gourmet, dos meus atores preferidos, numa participação hilária e genial.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

A profusão dos olhares...

O que faz Manoel de Oliveira em "Singularidades de Uma Rapariga Loura" é exercitar sua simplicidade latente e devastadora, num filme de pouco mais de uma hora de duração, que dá conta dos olhares, de um tempo, de uma cidade... é Eça de Queiroz lindamente homenageado pois Manoel mostra que seu conto é atemporal, vivo ainda hoje nessa sociedade contemporânea. Se os tempos se misturam, se o velho e o novo estão lá, é por que simplemente somos incapazes de nos desvencilharmos da história, das tradições...
Pequena obra-prima!


quinta-feira, 26 de novembro de 2009

NO MEU LUGAR dia 04/12 no Lumiére


Descubro hoje que atendendo a um pedido meu, o crítico e cineasta Eduardo Valente programou sessão de seu novo e primeiro longa, "No Meu Lugar" no Cine Lumiére Bouganville no dia 04 de dezembro. Oportunidade única e imperdível de ver o filme que tem distribuição mínima e restrita, e de ser, ao que tudo indica, um filme desafiador e destoante do pânorama do cinema brasileiro atual!

Filme de Ontem

Peeping Tom, de Michael Powell: a obssessão pelo cinema (ou, o que se passa pela cabeça de um cineasta psicótico em busca de sua obra-prima). * * * * *




quarta-feira, 25 de novembro de 2009

2º Festival de Cinema Português


Mostra de Cinema no Cine Ouro traz renomados filmes Portugueses ao público goianiense

Tem início na próxima segunda, dia 30, no Centro Cultural Goiânia Ouro a 2ª edição da Mostra do Cinema Português. A mostra busca fazer um panorama dessa, que é uma das mais importantes e desconhecidas cinematografias do mundo. A primeira edição aconteceu entre os dias 28 de setembro e 5 de outubro e traçou um painel sobre um cinema autoral e desafiador , trazendo nomes consagrados como os dos mestres Manoel de Oliveira e João César Monteiro, além de novos talentos que já solidificaram suas carreiras em festivais internacionais como Pedro Costa e João Botelho.

A 2ª edição busca uma identidade mais forte com o cinema popular feito em Portugal, trazendo filmes de gênero que vão das comédias familiares, o policial e o terror produzidos entre os anos 40, até os dias atuais. O evento abre com a subversiva adaptação do clássico de Mário Zambujal, “Crônica dos Bons Malandros”, seguido do belíssimo e premiado curta “Tatana”. Integram ainda a programação a clássica comédia futebolística de Arthur Duarte, “O Leão da Estrela”; o polêmico “O Bobo”, considerado por muitos como um dos melhores filmes portugueses de todos os tempos; o premiado “The Lovebirds”, além do consagrado “O Delfim” do mestre Fernando Lopes, dentre outros. Oportunidade única de se conhecer esse que é um dos mais criativos e interessantes pólos de cinema do mundo.

Confira a programação completa:

Dia:
30 de novembro

Filmes: "Crônica dos Bons Malandros" (1984, 79min) / “Tatana” (2005, 15min)

Horários: 12h30, 15h, 18h e 20h30

Dia: 1º de dezembro

Filme: "A Passagem da Noite" (2003, 95min)

Horários: 12h30, 15h, 18h e 20h


Dia: 2 de dezembro

Filme: "O Leão da Estrela" (1947, 113min)

Horários: 12h30, 15h, 18h e 20h30


Dia: 3 de dezembro

Filme: "Coisa Ruim" (2006, 100min)

Horários: 12h30, 15h, 18h e 20h


Dia: 4 de dezembro

Filme: "O Bobo" (1987, 123m)

Horários: 12h30, 15h, 18h e 20h30


Dia: 5 de dezembro

Filme: "Filha da Mãe" (1990, 105min)

Horários: 12h30, 15h, 18h e 20h


Dia: 6 de dezembro

Filme: "The Lovebirds" (2007, 83min)

Horários: 12h30, 15h, 18h e 20h30


Dia: 7 de dezembro

Filme: “O Delfim” (2000, 88min)

Horários: 12h30, 15h, 18h e 20h30


Dia: 8 de dezembro

Filme: "Peixe-Lua" (2000, 119min)

Horários: 12h30, 15h, 18h e 20h30


Dia: 9 de dezembro

Filmes: "Crônica dos Bons Malandros" (1984, 79min) / “Tatana” (2005, 15min)

Horários: 12h30, 15h, 18h, e 20h30


Dia: 10 de dezembro

Filme: "A Passagem da Noite" (2003, 95min)

Horários: 12h30, 15h e 18h


Dia: 11 de dezembro

Filme: "O Leão da Estrela" (1947, 113min)

Horários: 12h30, 15h, 18h e 20h30


Dia: 12 de dezembro

Filme: "Coisa Ruim" (2006, 100min)

Horários: 12h30, 18h e 20h30


Dia: 13 de dezembro

Filme: "O Bobo" (1987, 123min)

Horários: 12h30, 15h 18h e 20h30


Dia: 14 de dezembro

Filme: "Filha da Mãe" (1990, 105min)

Horários: 12h30, 15h, 18h e 20h30


Dia: 15 de dezembro

Filme: "The Lovebirds" (2007, 83min)

Horários: 12h30, 15h, 18h e 20h30


Dia: 16 de dezembro

Filme: “O Delfim” (2000, 88min)

Horários: 12h30, 15h, 18h e 20h30


Dia: 17 de dezembro

Filme: "Peixe-Lua" (2000, 119min)

Horários: 12h30, 15h, 18h e 20h30


Agradecimento especiais ao designer Hugo Brandão pela arte do cartaz.

A RELIGIOSA







Cinco motivos para assistir A Religiosa de Jacques Rivette:

1) Longe de ser apenas mais uma adaptação de um clássico da literatura mundial (famosa obra de mesmo nome do filósofo iluminista Denis Diderot), o filme ganha vida própria ao explorar bem menos seu polêmico viés anticlerical, para dar maior vasão ao sentimento humano e às consequências das escolhas que somos forçados a tomar ao longo de nossas vida.

2) Rivette que sempre foi cineasta da alma e dos sonhos faz aqui seu filme menos experimental, mas não menos ousado e confrontador, talvez o mais relevante e importante de sua brilhante carreira.

3) Anna Karina, musa de Godard, em presença absolutmente luminosa como Suzanne Simonin.

4) Mise-en-scène de Rivette espanta pela aparente simplicidade, mas os passeios de câmera (com a fotografia impressionante de Alain Levett) pelos corredores dos conventos, somados aos cortes secos e abrubtos que em certos momentos parecem enganar nossos olhos, criam um universo de cinema tão sólido, tão frontal e confrontador, que dificilmente sairá da cabeça.

5) Filme espantosamente atual, reflete de maneira corrosiva a maneira como somos tragados pelos anseios de uma sociedade que nos obriga a seguir caminhos tortuosos e obscuros, sem levarmos em conta nossos desejos e vocações.

* * * * *

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Aquele Querido Mês de Agosto


Cópia ficou uma semana em cartaz em Goiânia e quem viu sabe bem da beleza que é esse filme de Miguel Gomes. Se Tarantino fala sobre o poder transformador do cinema em seu Bastardo Inglórios, Miguel Gomes nos confronta com a beleza do criar. Do mergulho nas nuances do mundo para se criar um universo de cinema, de ficção. Do caminho tortuoso e lindo que é conceber um filme. O cinema deve estar todo orgulhoso de si por duas tão belas declarações de amor a ele!

Master Class do Tarantino


Um filme que tem a capacidade de trazer à tona nomes como os de Ernst Lubiticsh, Sergio Leone e Seijun Suzuki só pode ser no mínimo genial, e é o que de fato acontece com Bastardos Inglórios, novo filme do já mestre Quentin Tarantino. De Lubitisch lembro bastante do maravilhoso "Ser ou Não Ser" com um Hitler histérico e chorão, numa caracterização deliciosamente burlesca do general alemão. De Leone, óbvio, há aquela sequência inicial maravilhosa, num jogo de reenquadramentos impressionante ao som de "Dopo la Condanna" do Morricone. De Suzuki, a fé na ficção como combustível para a verdade, do descortinamento da história, da fantasia e do exagero como ferramentas para se atingir o êxtase. É impressionante o diálogo que Tarantino consegue manter com suas platéias, uma cumplicidade raríssimas vezes alcançado por algum diretor.

A paixão de Tarantino pelo cinema é tamanha, que Bastardos Inglórios não poderia ser outra coisa senão a sua mais apaixonada declaração de amor a 7ª arte. Ele acredita no poder transformador do cinema, no combustível maravilhoso e incediário que ele pode ser, na sua capacidade de transformar pessoas e por que não, o mundo? E é lindo acima de tudo como Tarantino transforma o que poderia ser um monte de referências vazias e auto-indulgentes num espatáculo revisionista do que o cinema já foi e ainda pode ser.

Maravilhoso também poder conhecer esses personagens nascidos da mente desse cineasta intrincado. Afinal, como poderíamos ter a chance de conhecer tão bem o Coronel Hans Landa, personagem riquíssimo, interpretado por um ator extraordinário como Christoph Waltz? Ou Shossana e seu olhar triste mas muito forte, interpretada pela lindíssima Melanie Laurent?

E quando citei 3 grandes cineastas inspiradores de Tarantino esqueci de um tão ou mais importante que deve estar dando pulos de alegria com esse filme: Samuel Fuller! Quem viu "The Big Red One" sabe do que eu to dizendo...

E dizer que esse é disparado o melhor filme do ano é chover no molhado! Provavelmente deve ser mesmo é melhor filme da década!

sábado, 26 de setembro de 2009

Mostra de Cinema Português

Minha primeira tentativa como curador de cinema rendeu essa Mostra de Cinema Português, que tem inicio no dia 28 de setembro e vai até o dia 05 de outubro. Na seleção, a intenção foi fazer um painel de um cinema radical que se faz em Portugal, corajoso e ousado, como poucos no mundo hoje! Afinal, não é qualquer país que tem como principais representantes de cinema dois mestres supremos como Manoel de Oliveira (aqui com o épico "Non") e João César Monteiro (um dos grandes pensadores do cinema contemporâneo). Da "nova guarda" teremos os já consagrados Pedro Costa, com seus dois primeiros filmes, "Casa de Lava" e "Ossos", João Botelho com o buñuelesco "Tráfico" e João Pedro Rodrigues (de "Fantasma") com o seu "Odete". Pra finalizar, "Uma Abelha na Chuva", clássico indispensável de Fernando Lopes.

Apesar das cópias serem todas em DVD, a projeção está bem mais digna que muita cópia da Rain, e por isso, creio eu, não será empecilho pra ninguém que queira prestigiar a Mostra.

Abaixo segue programação:

Dia 28 - Casa de Lava
Dia 29 - Odete
Dia 30 - Tráfico
Dia 1 - Uma Abelha na Chuva
Dia 2 - Vai e Vem (excepcionalmente, sessões às 12h, 15h e 19h30)
Dia 3 - Branca de Neve
Dia 4 - Ossos
Dia 5 - Non ou A Vã Glória de Mandar

Observação: os filmes Odete, Tráfico, Ossos e NON, estão sem legenda (somente com o português de Portugal).

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

The Hurt Locker (Guerra ao Terror)


Descaso total dessas distribuidoras brasileiras que lançam o melhor filme sobre a guerra do Iraque (sim, melhor inclusive que o potentíssimo Redacted de Brian de Palma) direto em DVD - o mesmo acontece com Giallo, novo filme do mestre Dario Argento.

Kathryn Bigelow faz um filme agressivo, tenso, mas acima de tudo humano, centrado em apenas 3 personagens que pertencem a um esquadrão anti-bomba no Iraque. Impressiona e muito o crescente clima de tensão que vai se estabelecendo ao longo do filme. Cada mínimo objeto de cena parece que vai explodir a qualquer momento.

Mas o grande trunfo do filme pra mim, é não se render a discursos políticos e cravar seus afiados dentes na cabeça de um homem que aos poucos vai se viciando na entorpecência da guerra. É fácil, das melhores coisas que vi esse ano, sem sombra de dúvida!

A plenitude do cinema de Gray


Amantes é pra mim o melhor filme de James Gray. O que não é pouco (sou fá incondicional de Fuga para Odessa, Os Donos da Noite e um pouco menos entusiasmado de The Yards). Aparentemente o mais simples de seus 4 filmes, trabalhando agora outro gênero que não o policial, Gray consegue atingir o supra sumo de seu talento como diretor, como cineasta. Exatamente por trabalhar com esse mínimo de elementos, essa singeleza de argumento, Gray tem tempo suficiente pra construir imagéticamente seus personagens e com isso transbordar de vida cada fotograma desse seu novo filme. Emocionante Joaquin Phoenix em cena, quase que um co-autor do filme ( sem falar de Isabella Rosseline, claro). Pena que a cópia em Rain exibida no Bouganville é das coisas mais vexatórias que eu já vi na vida!

quinta-feira, 2 de julho de 2009

A Lógica do Horror

Tenho tido uma série de experiências muito bem sucedidas com filmes de terror contemporâneos, e é impressionante como o gênero tem nos proporcionado filmes tão relevantes dentro da cinematográfia mundial atual. Filmes como o sueco Deixa Ela Entrar, os japonêses Cure e Pulse, os franceses A Invasora e Calvário e claro americanos já consagrados como Diário dos Mortos, Fim dos Tempos e O Nevoeiro, são exemplos claros de como o mundo tem sido enxergado pelo cinema de horror.

Vejamos Deixa Ela Entrar, do sueco Tomas Alfredson. Belíssima incursão no gênero, é impressionante como o filme lida com seus clichês de maneira tão natural, tão simples e delicada. Primeiro por que há ali algo que é comum a grande maioria dos filmes citados acima e principalmente no cinema de horror não hollywoodiano feito atualmente. Há uma diluição de roteiro em prol da misé-en-scéne. A decupagem é a principal ferramenta nesse sentido, e todas os mecanismos que dela nascem. Em Deixa Ela Entrar, fica visível uma série de conceitos que estéticamente colocam o filme num patamar bem diferenciado do que vem sendo produzido em terror comercialmente. O que mais impressiona a priori é o uso incisivo do fora de campo, o mostrar e não mostrar. É claro que veremos ali muito sangue, membros decepados, mas eles sempre vão surgir de fora, de um outro espaço que a câmera não se atreve a registrar, e é daí que nasce o verdadeiro horror.


Mas e o filme como registro de seu tempo? Ah sim, há ali para além do horror a fábula sobre a infância, sobre o turbilhão de emoções, descobertas e inquietações que todos nós um dia passamos. E centenas de outros filmes já trataram desse assunto. A diferença é que Alfredson , sempre buscando a sutileza e a sugestão, apoiando-se principalmente em olhares, e claro, na premissa de horror, trará para dentro do filme algo que outras obras não almejam e nem conseguem facilmente: o registro do âmago, do que se passa dentro de nós. E é ai que reside a beleza do filme.

Para Kiyoshi Kurosawa o terror também é apenas um subterfúgio para o registro de nossas inquietações. Pensemos em Pulse, filme que de forma sinistra aborda um tema igualmente sinistro mas não menos revelador e importante: suicidios coletivos na internet. Como mestre que é Kurosawa não faz um filme fechado nesse tema. Para além disso, cria uma obra extremamente humana, existencial, sobre o fim das relações afetivas, sobre a frieza do mundo, incomunicabilidade, sobre a digitalização do mundo e por que não, da morte. É um filme apocalíptico, assim como é também O Nevoeiro, Fim dos Tempos e Diário dos Mortos.


Mas o que impressiona verdadeiramente nos filmes de Kiyoshi, é a aproximação do real, do banal, ao fantástico. Não raro, seus filmes ditos "realistas" (Sonata de Tóquio e Liscense to Live) conseguem captar quase que invisivelmente toda uma aura de fantasia que estão inerentes a eles. Não vemos nada, mas a magia perpassa por cada sequência.

Volto então a falar um pouco sobre a sugestão dentro do cinema de horror. Se em Deixa Ela Entrar e também em alguns filmes de Kurosawa ela era uma das principais ferramentas para se extrair o terror, no novo cinema de horror produzido na França essa é uma palavra banida. Todos os filmes franceses do gênero se destacam por explorar de maneira "pornográfica" cada centímetro de pele e sangue cortados. Essa "pornografia da violência" porém não me parece gratuita. Diferentemente de filmes com Jogos Mortais e O Albergue, a violência não é o fim, mas o meio para se chegar ao fim. Vejamos A Invasora (ou mesmo Alta Tensão de Alexandre Aja e Calvaire de Fabrice Du Welz). Poucas vezes a idéia de violência foi tratada de maneira tão doentia como aqui, mas o filme em si, para além da violência, me soou como um impressionante delírio de uma grávida, de uma possível depressão pré-parto (ou pós), e de todas as dificuldades e desdobramentos que imagino ser gerar uma vida dentro de si. Mulheres sabem bem, mas recomendo com força para homens que verão na carne o que pode ser isso. Nesse sentido o filme não tem a menor intensão de fazer concessões, visto que para atingir o ponto certo, o diretor Alexandre Bustillo deveria lançar mão do máximo de ultra-violência possível para atingir o efeito desejado. É o sangue e a carne como metáfora da vida!


Resta pensar por fim no cinema norte-americano e o que de relevante ele tem produzido neste sentido. Romero é referência óbvia quando se pensa em cinema de horror em qualquer parte do mundo desde a década de 70. Mas não é que um de seus melhores filmes tenha surgido a essa altura do campeonato?! Em 2008 alguns filmes se prontificaram a questionar a relevânica da imagem em tempos de internet e globalização. Cloverfield de maneira bem rasteira mostrou que basta uma câmera na mão e um upload na internet, e podemos ver tudo o que de mais absurdo acontece no mundo. Redacted indo mais além, nos disse que as informações e imagens disponibilizadas pela rede, nos mais diferentes formatos, podem nos levar à verdade, ou à mentira. Mas foi Diário dos Mortos, quinto filme da sua celebre série de zumbis que mais levou adiante uma complexa discussão sobre o poder de manipulação da imagem nos tempos de hoje. E não só! Carga humana que Romero sempre carregou em seus filmes, volta aqui de maneira devastadora e também, apocalíptica.


Apocalíptico também são Fim dos Tempos do atual mestre do terror americano M. Night Shyamalan, e O Nevoeiro de Frank Darabont. Shyamalan como todos sabem bebe muito da fonte de Kiyoshi Kurosawa (e não esqueçamos, Tomas Alfredson e seu Deixa Ela Entrar também se sacia dessa mesma água), misturando de maneira indefectível realismo e fantasia, sempre buscando o horror do banal, do íntimo. O interesse pelo extra-campo é genuíno em seus filmes, sempre nos colocando num jogo entre o ver e o imaginar!E o roteiro é diluido para dar lugar a ambiências e não para tentar dar uma lógica interna ao filme(que pra mim é completamente dispensável, principalmente se pensarmos num gênero como o terror); para Shyamalan, a "verdade" (verdade fílmica) está na imagem - e suas infinitas possibilidades - e não na lógica. Seus filmes, mais especificamente Fim dos Tempos parecem querer dar conta de uma série de questóes caras a sua obra como relações pessoais, família, incomunicabilidade, fé! E Shyamalan fantasia seus filmes como gêneros (terror, hqs, sci-fi, magia) para extrair disso, algo para se falar sobre cinema, sobre vida, mas principalmente sobre a fé nisso tudo.



Surpreendentemente é o que Darabont faz também em O Nevoeiro. Se há a princípio toda uma preocupação em "não mostrar", na segunda metade do filme, tudo é mandado as favas e ele nos confronta com o absurdo do "ver". É um retorno a uma idéia antiga de filmes B que foi muito deturpada ao longo dos anos, de usar o grafismo do óbvio, para nos mostrar as sutis entrelinhas da vida. O Nevoeiro fala muito sobre sociedade e religião e o apocalipse é consequência de uma constatção que está ali na tela.

Se vermos todos esses filmes juntos, veremos ali as inquietações desses artistas diante do mundo e que me interessam muito como espectador de cinema. Inquietações não só para com o mundo, mas também para com a arte. E é ai que reside a grande magia do cinema (principalmente do cinema de horror); na possibilidade de poder enxergar o mundo através do absurdo, do ilógico, do irreal. Pra quê lógica nisso tudo?

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Goiânia Ouro homenageia Manoel de Oliveira

Começou ontem a Mostra "O Cinema de Manoel de Oliveira" oferecida pelo Instituto Camões juntamente com a Secretaria de Cultura, mostra que reúne 9 de seus 50 filmes traçando um breve mas muito significativo panorama da carreira desse que é o maior cineasta vivo da atualidade. Abaixo segue a seleção dos filmes dessa Mostra que é nada menos que imperdível!


Leonor Silveira em Vale Abraão, adaptação de Madame Bovary em cartaz na Mostra.



Um Filme Falado (2003)* * * * *
O Princípio da Incerteza (2002) * * *
Porto da Minha Infância (2001) * * * *
Vou Para Casa (2001) * * * *
Palavra e Utopia (2000) * * *
A Carta (1999) * * * * *
A Caixa (1994) * * * *
Vale Abraão (1993) * * * * *
Non ou a Vã Glória de Mandar (1990) * * * *

Programação da Mostra:

http://www.goiania.go.gov.br/sistemas/snger/asp/snger01010r1.asp?varDt_Noticia=02/02/2009&varHr_Noticia=08:30

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Ainda sobre o senso crítico...

Na Contracampo há um interessante texto do Luiz Carlos Oliveira Jr. sobre os rumos da crítica brasileira, da sua relação com a publicidade e que reiteram muito da minha visão sobre o novo filme do Fincher e sobre essa falta de senso crítico - não só por parte da crítica em si - da sociedade como um todo!


http://www.contracampo.com.br/92/pgpublicidadevenceu.htm

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Benjamin Button e o senso crítico...

Como é fácil manipular platéias hoje em dia! O novo filme do Fincher é uma enganação do começo ao fim, mas todo mundo compra como "filme-mensagem" - desde já lembrando uma frase de quem desconheço a autoria; "cinema não é fax pra passar mensagem" - edificante, sobre "envelhecer". O que mais me chamou atenção nesse filme é como a publicidade se faz presente da maneira mais radical na carreira de David Fincher. É claro que como publicitário que é, seus filmes sempre carregaram esse fardo marketeiro, mas sempre de uma maneira mais sombria e de certa forma, estimulante. Aqui, todos os cacoetes de um filme publicitário se fazem presentes, e o roteiro não ajuda em nada ao transformar a vida de Benjamin Button em uma odisséia épica, repleta de lirismo barato (aaahh, o beija-flor), com tema relevante pra conquistar platéias que consideram o Oscar o grande termômetro de avaliação do melhor do cinema produzido no ano. Mas pena mesmo é constatar que um cineasta vindo de uma obra tão forte e impressionante como Zodíaco (o menos publicitário e melhor de seus filmes) e que parecia ser uma tremenda evolução na sua carreira, regrida ao ponto de fazer um filme tão preguiçoso e com um final tão cafona como esse Button.

O poder transformador de "A Troca"


O que é A Troca senão um filme conceito? Conceito num sentido bem radical da palavra por que o que faz Clint Eastwood nesse seu novo filme, além de trazer à tona diversos fantasmas da história americana (o que ele vem fazendo abertamente desde Poder Absoluto de 1997) é subverter uma série de códigos do cinema clássico americano num reprocessamento um tanto vanguardista dessa fórmula centenária de se fazer "cinema narrativo".

Comecemos então pelo título do filme: Changeling! Mudança, troca, confusão... Clint que, longe de querer elevar seu cinema à perfeição, prefere se modificar a cada sequência, modificar o mundo (como faz Christine Collins) ou modifcar o cinema, sua narrativa, alterar o formato da tela, as cores da fotografia, a estrutura e os códigos de gênero, as atuações. Tudo em "A Troca" parece respirar e se encher de vida a cada nova sequência. Afinal flashbacks surgem do nada, sem nenhum aviso, a trama começa a se dividir em 2 ou 3 outras e o filme vai se metamorfoseando, se alterando, se reiventando como reflexo das mudanças do mundo provocadas por Christine ou por nós mesmos em nosso dia-a-dia. Daí me pego pensando em Clint Eastwood como um experimentador e não como "o último cineasta americano clássico vivo", e seu cinema se aproxima de nomes distintos como Apichatpong Weerasethakul e Alain Resnais, cujo poder de transformação se estabele no cerne de suas obras, por mais distintas que sejam elas. Seria uma comparação um tanto vaga, mas se pensarmos em palavras como fantasmas, memória, tempo, mudanças, revolução, a identificação passa a se tornar mais evidente.

Mas e o melodrama? Christine Collins la pelas tantas torce para que o filme "Aconteceu Naquela Noite" vença a edição do Oscar daquele ano. Ora, quem é Frank Capra senão o grande mestre do melodrama da era de ouro hollywoodiana? Há muito de Capra ali de fato, mas a comparação mais acertada que tenho visto por ai é a com Fritz Lang, que entrou para o cinema americano após fazer "M" que é nada menos que um filme sobre um assassino de crianças, e se firmou fazendo thrillers e suspenses noir, além de alguns melodramas, aliás donos dessa força transformadora já tão batida aqui nesse texto.

Ainda nesse sentido, a justificativa para a escolha de Angelina Jolie parece bem acertada, senão indispensável. Antes de pensarmos em sua interpretação é importante analisar sua caracterização. Esquálida, frágil, curvada para frente, branquíssima... Angelina assume ali o papel de uma menina incapaz de entender o mundo a sua volta, apesar de carregar consigo uma força incandescente de transformação. Essa dualidade entre força e fragilidade é grande trunfo de sua atuação, que mais superficialmente pode ser vista como histérica em alguns momentos ou absurdamnente fria e contida em outros.

Fica claro ao final a busca de Eastwood pela beleza da imperfeição, num filme tão abertamente dissonante, e por isso mesmo tão humano e profundo. Seja como reflexão da arte, seja como reflexão de mundo.